Era mês de Junho e na cidade em que morávamos fazia frio, em nossa casa chegava a vovó vinda de nosso estado de origem, confesso que sua vinda trazia consigo um misto de felicidade e apreenssão. Ela era muito amada, mas ficaria conosco uma boa temporada, para ser mais preciso um ano, e nós tínhamos aprendido a viver e conviver em casa somente os quatro: Eu,minha esposa e meus filhos.
Tudo isso era muito novo, a vovó tinha 89 anos e completaria 90 ao nosso lado, uma conquista que para nós era motivo de muita celebração, até em razão de sua boa saúde física e mental. Ao olhar para a expressão das crianças quando lhes disse que a vovó ficaria conosco todo este tempo, imaginei quais pensamentos rondavam aquelas cabecinhas, perguntas talvez, como eles dizem, “do tipo”:
Em que quarto ela irá dormir?
E como vai ser no dia a dia?
E se eu quiser escutar minhas músicas altas, como será?
E quando meus colegas vierem dormir aqui em casa?
Enfim…..
Recebemos a vovó com o amor e os cuidados que ela merecia, . Logo sentamos eu, minha esposa e meus filhos para combinarmos alguns detalhes, relacionados óbvio, ao nosso novo cotidiano .
A vovó já havia estado conosco algumas vezes, mas nunca por um período maior que 30 dias e agora seria diferente, precisávamos fazer alguns “ malabarismos” para que nossa convivência fosse não só amorosa, mas também prática, já que cada um tinha suas atividades e a vovó jamais poderia ficar sozinha, nem pensar….
No dia a dia fomos nos adaptando e algumas atitudes e reações me chamaram muito a atenção, a vovó sempre queria saber onde nós íamos, deixava transparecer um medo de ficar sozinha, por mais que disséssemos que não se preocupasse, pois estaria sempre acompanhada de alguém e caso saíssemos, logo voltaríamos, ainda assim ela ficava apreensiva.
Sobretudo uma atitude me fez lembrar de minha filha ainda pequena. Quando entrávamos no elevador a vovó ia chorando até a porta da sala, depois ajudada por sua bengala, ia para a varanda e lá ficava espiando, na esperança de nos ver, esperando aquele “tchauzinho”. Como a nossa menininha, ela fazia questão de receber um aceno lá embaixo, na rua de nosso prédio, e sempre que conseguia nos ver, respondia com outro aceno.
Minha esposa teve uma brilhante idéia de comprar livros de colorir para a vovó, quanto talento, usava uma variedade e combinação de cores invejável, não sentava no chão como a nossa menininha, mas coloria que era uma beleza, que arte, que produção. A vovó não via o tempo passar, a única coisa que fazia ela sentir que era o momento de parar, era quando sentia fome. Um apetite também invejável.
Ao sentar a mesa, não raro, se lambuzava, sempre deixava alguma comida sujar seu vestido florido, e como uma menininha nos olhava com aquele olhar sapeca que nos dizia tudo: Fiz arte!
Aos 89 anos a vovó precisava que alguém a acompanhasse até a cama, a colocasse pra dormir, a cobrisse e com um sorriso lhe desejasse boa noite.
Quando dizíamos que no dia seguinte passaríamos muito tempo fora trabalhando, a vovó chorava igual a nossa menininha, pois por ela o tempo deveria parar e tínhamos que ficar ali, ao seu lado, o tempo todo.
Mas pra quê vocês vão sair de novo? Ela dizia. Vai ser sempre assim? Perguntava.
O ano passou e chegou o momento da vovó visitar outra casa, de outros netos e filhos, na mala poucas roupas, já não são tão importantes, mas o livro de colorir, esse sim, foi o primeiro a entrar na mala.
Aprendemos muito neste ano, não com a vovó, mas com a menininha que ainda existe dentro dela.
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